domingo, 7 de agosto de 2011

SOCORRINHO por Carlito

Idosos não perdem a memória, às vezes fica esquecido. O fascinante do ser humano é que detalhes de um passado mais distante ficam perpetuados em nossa mente. Consegui programar minha memória só para bons acontecimentos, só recordo coisas boas, as ruins, os fatos sinistros, apago-os ou coloco-os em um arquivo morto, para ser feliz.

Lembro bem quando eu era menino, ano da graça de 1947, tinha sete anos, morava na Avenida da Paz nº 1074. No último dia de novembro, minha mãe deu mais um presente para família, nasceu Socorrinho a caçula, a última de cinco filhos. Alguém saiu com ela nos braços para mostrá-la aos irmãos. Eu estava curioso ao ver a recém nascida chorando como se tivesse fome. Fiquei emocionado e feliz da vida, não sabia que era uma premonição. Aquela menina chorona ia tornar-se uma das figuras mais importantes de minha existência.

Nossa infância na praia da Avenida e no riacho Salgadinho foi de muita liberdade e alegria. Na aurora de minha vida, nos meus 12 anos queridos, eu percorria toda redondeza pescando ou pegando caranguejo. Meus pais criaram os filhos com sabedoria e generosidade, mas menino é malvado, Socorrinho devia ter quatro ou cinco anos, eu já quase rapaz, pegava caranguejo pelo casco, ele abria as patas enormes, maldosamente eu amedrontava, achegava o bicho brabo perto do rosto dos pivetes, Socorrinho foi a vítima número um. Até hoje ela tem pavor, fobia a caranguejo, nem sequer sabe o gosto de uma saborosa caranguejada no pirão, por minha culpa exclusiva.

Certo tempo fui para Escola Militar, peguei um trem em Maceió até o Recife de onde viajei para Fortaleza. Durante 12 horas viagem entre pequenos morros eu admirava os canaviais verdes em contraste com o azul do céu, vinham lembranças de minha praia, meus pais, meus irmãos e principalmente da caçula que eu já era apegado. Disfarçadamente eu chorava.

Perambulei 13 anos pelo Brasil sem nunca deixar de passar férias em Maceió. Certa vez Socorrinho me confidenciou que estava paquerando, me apresentou seu namorado Clailton, a partir desse dia ganhei outro irmão. Está gravada em minha mente a figura de Clailton na varanda de nossa casa, com um violão cantando: “Oh cachaça amiga, não há quem me diga que não tens valor... e de saudade eu morro, vem em meu SOCORRO mais outra lapada”. Minha afinidade é tanta com Socorrinho que Clailton costuma dizer que só tem ciúmes de mim e de Chico Buarque de quem Socorrinho é fã de carteirinha.

Em 1967, promovido a capitão, vim morar nas Alagoas. Nada mais queria em minha vida, solteiro, morando em minha casa com o carinho, casa e comida dos pais e uma Maceió bonita, festiva, que me encantou. Nessa época, dos irmãos, apenas Socorrinho estava ainda na casa do General e Dona Zeca. Foi uma fase das mais bonitas e alegres de minha existência. Socorrinho era minha companheira, minha amiga para todos cantos, festas, casamentos, Zinga Bar. Eu adorava paquerar suas amigas. Ela fazia não gostar, dizia estar preocupada que eu fizesse sujeira, mas no fundo eu sabia que minha irmã tinha maior orgulho de seu irmão.

Nunca tive desentendimento com Socorrinho. Aliás, tive uma única briga. Certa vez nós discutimos, não lembro o porquê. No outro dia ela não falou comigo, raiva mesmo, ranzinza. Eu pensei e percebi que ela tinha razão. Socorrinho não só me perdoou, como me abraçou emocionada quando ao entrar em seu quarto, uma surpresa: sua cama estava coberta de rosas. Foi a única maneira que encontrei para pedir desculpas.

Em 1970 me casei, logo depois foi ela. Socorrinho tornou-se um esteio na família. Sempre foi a primeira chegar nos problemas, nas dificuldades da família, nos piores momentos, na hora da morte, como também na hora da alegria. Ela herdou de Dona Zeca o amor às festas, à família, ao natal, ao ano novo. Sua casa sempre foi cheia, Clailton feito o General, apoiando. Vieram três filhos, os sobrinhos do Capitão, quatro netos para a alegria da Vovó.

Está fazendo 60 anos daquela cena gravada em minha mente, a menina nos braços não sei de quem, sendo mostrada para os irmãos. Desde aquele momento veio nossa bem querência, nossa cumplicidade, amizade, o apoio mútuo, até os dias de hoje. Socorrinho tornou-se importante em minha vida, a maior incentivadora quando comecei a escrever aos 61 anos. Devo-lhe muito de minha alegria, de meu jeito de ser feliz!

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