sexta-feira, 19 de agosto de 2011

DONA SANTINA NONÔ por Cuca

Quando fiz um esboço sobre o professor Béu, comprometi-me em fazer algumas linhas sobre Dona Santina; mas, por ser de uma personalidade bem mais forte e polêmica, fiquei empurrando o compromisso, mas, agora, desejo cumprir a promessa.

Analisando sua forte presença, defino-a, como uma pessoa extremamente valente e generosa. Nos meus sessenta e seis anos bem vividos, afirmo que conheci poucos homens com a coragem de Dona Santina; o sentimento de medo, jamais foi demonstrado em qualquer situação.

Filha predileta do velho Nonô da Mataraca, respeitado por sua coragem e palavra; tinha o nome de sua avó, mais um fato para a proteção explícita do pai.

Muito prendada, tocava violino, pintava, costurava, cozinhava, atirava, adorava andar a cavalo, inclusive, era conhecida pois seu ginete, presente do pai, pulava todas as porteiras da fazenda Mataraca, mesmo estando de selim que era comum à época, sem qualquer apoio; todavia, tinha como marca indelével sua opinião, que defendia com unhas e dentes, adorava uma discussão, para extravasar seus pontos de vista, sempre bem equacionados e baseados em leituras e pesquisas.

Teve um único e grande amor em sua vida, o Béu, com o qual trocava cartas diárias, pela soupa, que fazia o trajeto Maceió/Atalaia, defendê-o até ficar viúva aos oitenta e três anos, mesmo separada já, há mais de vinte anos. Atribuo à causa da separação ao tio Pedro e Derzuíla que tinham ódio de mamãe, vez que ela nunca os bajulou; inclusive, comprou uma briga com eles, pela não aceitação de receber ALBERTINA em Recife, onde foi estudar no Colégio Regina Passe, ficando com a prima Geruza e Dr. Hercílio Auto nos finais de semana. Sendo considerado o rico da família, Pedro quando vinha a Maceió, era alvo de muito zelo pela família, mas Dona Santina não dava muita bola e sempre se impôs.

Dona Santina era uma pessoa brava e destemida, citarei casos que presenciei e participei, pois após a separação, voltei para morar com ela por muitos anos, mesmo depois de casado e, ela foi uma companhia assídua em minhas idas as minhas propriedades em Atalaia, S. Luzia do Norte, Traipú, Tranqüilidade e casa da praia em Coruripe.

Houve um desentendimento com o empregado da Tranqüilidade e dei um prazo para desocupar a casa, mas ele vinha enrolando a mim e ao Waldo; disse ao Waldo que iria retirá-lo por bem ou por mal; sempre tive porte de arma, mas esse dia, levei um rifle 44, uma caixa de balas, deixei com D. Santina no carro e saí para retirar o administrador, que, graças a Deus, prontificou-se a sair, retirando suas tralhas para o caminhão. Estava tranqüilo, pois tinha plena fé em mamãe.

Em outra oportunidade, ia para Coruripe no fusca de papai e, perto de S. Miguel dos Campos uma carreta ao nos ultrapassar, jogou-nos no acostamento, quase virando o carro; após o susto, seguimos viagem e, mais adiante em uma subida vimos a bendita carreta, tendo d. Santina pedido para que eu emparelhasse, pensei que iria dar uma bronca; mas, qual a surpresa ao vê-la abrir o porta luva, onde colocava o revolver , retirá-lo e apontar para o motorista , dizendo que respeitasse os menores atirando no pára-brisa, espatifando-o; era uma exímia atiradora, seguimos viagem.

Tendo comprado propriedade em Traipú, e precisando plantar capim, convoquei meu compadre Aloísio do Pilar para passarmos uma semana na fazenda que não tinha luz elétrica, apenas uma pequena palhoça com dois quartos, sala, cozinha e um sanitário, onde tinha um tanque que trazíamos água de uma cacimba atrás da palhoça. Sabendo de minha pretensão, mamãe disse que iria e ajudaria fazendo a comida dos peões e a nossa, não concordei, mas quando ela encasquetava, não tinha jeito. Levamos dois candeeiros de querosene, três redes, algumas roupas, toalhas, panelas, talheres, baldes etc.; e fomos na aventura. Mamãe ficou num quarto e eu e meu compadre no outro; a noite começamos a ouvir uns assobios ao redor da casa e, dona Santina do quarto, perguntou ao Compadre se era cobra, ao que o mesmo informou ser de caninana, cobra muito venenosa e comum na região. Tendo ela informado que só deveríamos descer da rede com o candeeiro, sem qualquer destemor. Logo cedo ia com o Sr. Aloisio buscar o pessoal no povoado de Olho D´a gua e só voltavam ao entardecer, a comida era preparada por mamãe; depois de deixar o pessoal; seguíamos os três para Traipú, onde fazíamos compras e tomávamos banho no rio S. Francisco. Passamos uma semana em Traipú, ela não reclamava, não tinha frescura, era notável.

Nas viagens que fazia para Paulo Afonso, na Bahia, para farrear e namorar, era assídua, pois adorava o sobrinho Geraldo, Laiz e sua irmã D. Argentina que era muito parecida com ela em todos os sentidos. Ficávamos na vila da Diretoria na CHESF, onde Geraldo era Diretor de Compras. Fazíamos pelo menos três viagens por ano, acompanhados por Clailton, Adilson e uma vez Emílio.

Era muito sincera e extrovertida, as pessoas a adoravam ou odiavam, não tinha meio termo; tomou medidas erradas ao meu ver, como a educação de Bebé, exigia muito e a obediência era total. Uma ocasião foi a Praça do Pirulito e trouxe Albertina pela Orelha, para que a mesma não se encontrasse com um flerte.

Como mãe, era uma leoa, nos defendia, alertava, observava e acompanhava nossos passos, principalmente de Albertina. Quando fiquei em 2º época na 3º série ginasial, fui obrigado a decorar todo o livro de ciências naturais, fiquei no sótão por um mês inteiro; tomava lição todas as tardes, com uma palmatória na mão. No ano seguinte, me enviou para o reformatório de Sergipe, o Colegio Jakson de Figueiredo, onde terminei o ginasial como interno.

Por ser malandro, levei muitas surras, principalmente por ir ao cais do porto para pescar, fumar escondido, tomar umas cervejas e, como não sabia mentir para ela, não tinha jeito. Mais devo a ela meu estímulo para ser uma pessoa de caráter.

Depois da separação, cismou de viajar para conhecer outras paragens, realizou varias excursões nos Estados Unidos, Terra Santa, Europa, Asia a as Américas do Sul, do Norte e Central.

No final da vida, gastou tudo o que tinha com seu neto, que adorava, e era correspondida, mas no meu entender, o prejudicou por demais.

Era minha fiel escudeira, elem de ir comigo toda semana para a fazenda, também acompanhava-me nas viagens para impetrar ações judiciais no interior, nas compras de gado, nas visitas aos compadres Madeiro e Geraldo, a Hidelbrando Sintra, Antonio Amaral, Biegas e vários outros.

Por idéia dela, fiz duas gincanas com meus sobrinhos e amigos do Albertinho, na Branca, comemorando antecipadamente seu aniversário; para ajudar levava tia Coralia, os meninos adoravam. Também por mais de uma vez levei para a fazenda a pedido de mamãe, suas irmãs Corália e as duas Marias que inclusive colocavam nomes no gado.

Foi a primeira pessoa a levar às sobras das refeições, para a criançada da fazenda, que esperavam por ela para almoçarem; isso há mais de 20 anos, que hoje é natural e corriqueiro.

Solicitava das amigas, roupas usadas, remédios, um kit de recém nascidos com banheira e mais de 10 itens que bordava e pintava fraudas, lençóis, etc.; doando-os ao empregados de minhas propriedades, onde realizava todos os anos as festas de São João e Natal, fazendo comida e dando presentes, aos funcionários, mulheres e filhos.

Comprava sementes de hortaliças, conseguia plantas e roseiras, fazendo e cuidando de hortas e canteiros. Todos os empregados tinham um terreno para plantarem verduras e criarem galinhas; sempre sob sua supervisão.

Contudo, depois de levar uma queda em seu apartamento e quebrar o fêmur, mesmo após a operação e colocação de pinos, mudou-se para Ponta Verde e, deixou de sair de casa, entrando em depressão, entregando-se à doença.

Já sem sair de casa, pediu-me para que fosse enterrada no Pilar, junto ao seu pai; mas o problema era que o mausoléu onde estão enterrados vovô e vovó é pequeno e tio Celso não aceitou seu pleito, abriria um precedente.

Mais indo ao cemitério, constatei que logo atrás do túmulo de meus avós maternos, existe um grande mausoléu da família Lima, de meu pai. Então, passei a cuidar do mesmo; e nele fiz o enterro de minhas tias Maria Alice, Virginia, papai e mamãe, que ficou ao lado de vovô Nonô, como desejava.

Mamãe veio a falecer aos noventa anos, praticamente fora de si, mas sofreu pouco, graças a Deus, e deu muito menos trabalho do que papai que sofreu mais e tinha plena consciência, sempre pedindo para morrer.

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