segunda-feira, 5 de maio de 2008

ACABOU NOSSO CARNAVAL por Carlito Lima

Eu morava fora de Maceió, mas sempre achava uma maneira de vir no carnaval. Seja em férias, licença ou feriado. Os carnavais eram de uma animação e de um alto astral que fazia bem ao espírito, aumentava a alegria de viver de cada um de nós, mancebos e mancebas de uma terra bonita, onde todos se conheciam, se amavam. No carnaval a ordem era cair no passo, dançar o frevo, sambar, se esbaldar, curtir, namorar.
A temporada carnavalesca começava com o Baile de Máscaras logo após o ano novo. Baile chiquérrimo, com fantasias e máscaras obrigatórias ou traje a rigor. Muitos senhores vestiam seus smokings. Os foliões pulavam até o Sol raiar.
Enquanto esperava o carnaval chegar, n
os sábados havia festas pré-carnavalescas: Noite no Hawai, Preto e Branco, Baile Tricolor. Os surdos e tamborins começavam a esquentar nessas festas, onde a paquera era escancarada. Início e término de muitos namoros. Os mais sabidos entravam solteiros no carnaval.
No domingo antes do carnaval a
contecia o Banho de Mar à Fantasia. A Avenida da Paz ficava apinhada de foliões. A C.O.C. organizava concurso de fantasias, blocos e críticas (sempre bem humoradas malhando o governo ou nossos costumes). Destaque para uma turma irreverentíssima formada por: Rubem Camelo, Alipão, João Moura, Napoleão, Bráulio Leite, Vadinho, Santa Rita. O Fusco dava seu show particular, além do Tarzan e senhora.
Durante a quinzena anterior ao carnaval, a Prefeitura organizava uma animada Maratona Carnavalesca toda noite no Comércio, com corso e muito frevo. Os carros desfilavam com as meninas sentadas nos pára-lamas d
os carros, jipes e caminhonetes abertas. Saltávamos nas esquinas onde havia uma banda tocando o frevo. Ali se misturava a burguesia, a classe média com o povão, os estivadores, as empregadas, soldados, pedreiros, lavadeiras e putas. A Maratona só terminava quarta-feira de cinzas.
O carnaval iniciava no sábado de Zé Pereira. Depois do corso tínhamos duas opções para os clubes: CRB ou Tênis. No domingo além da matinal da Fênix havia à noite o Baile dos Marujos no Iate ou o Baile da Fênix.
Certa vez coincidiu meu aniversário com o último dia de carnaval. Nessa terça-feira a Escola de Samba Unidos do Poço animava a matinal da Fênix. Depois da matinal levei alguns amigos para casa. Minha mãe concordou na maior animação. Era uma festeira. Comandei a bateria da Unidos do Poço, sambando pela Avenida até minha casa. Comemoramos meu aniversário até o anoitecer ao som dos tamborins. Era o início da despedida do carnaval.
Ainda agüentei ir ao corso depois de tomar um banho. Estava cansad
o, com medo de não agüentar o restante do último dia, quando Paulo Sá me viu naquele estado, cochichou no meu ouvido: “Levante-te Capita, vamos até ali”. Entramos num bar na Rua da Praia. Paulinho pediu um copo d’água, deu-me uma pílula vermelha com recomendação: “É um energético para recuperar o cansaço, uma pílula milagrosa!”
Chegando em casa recomendei que me despertasse à meia-noite, estava com medo de perder a última festa. Quando a empregada foi me acordar, eu já estava pronto de banho tomado, vestido com um macacão. Dormi um pouco, meus lábios formigavam, estava recuperado, zerado, disposto a cair no carnaval.
Pensei na pílula do Paulo Sá, vá ser milagrosa assim na p.q.p.


O Baile havia começado tocando marchinhas bonitas para alegrar o
coração dos foliões. Eu dançava nas cadeiras, no salão, em todos lugares. A festa foi se animando com muita mulher bonita. Até que lá para três da manhã o presidente Dr. Ardel Jucá anunciou o folião do ano, escolhido por unanimidade. Fiquei surpreso quando falaram meu nome. Com muitos aplausos recebi o prêmio oferecendo à milagrosa do Paulo Sá. Havia quebrado uma tradição de vários anos, quando Pitão e Ednor Bitencourt se alternavam no prêmio de folião do ano.
A festa continuou até o Sol raiar. Finalmente a orquestra desceu do palco tocando, deu várias voltas no salão até se dirigir e conduzir a multidão para praia onde continuaram dançando e cantando: “É de fazer chorar...quando o dia amanhece...e obriga o frevo acabar...Oh! quarta-feira ingrata...c
hega tão de pressa só pra contrariar...” O carnaval terminava com um banho de mar com a fantasia suada e cansada. Yemanjá a tudo assistia e abençoava com alegria.
Jovens alegres, molhados, cansados, deitados, esparramados embaixo das amendoeiras da Avenida, sentia saudade daquele carnaval que findava. Alguns de mãos entrelaçadas, abraçados, outros se beijavam. Quico e Alice, namoro de carnaval. Socorrinho e Clailton namoro antigo. Um bando de jo
vens bonitos e felizes se reunia aos poucos: Bebete, Lourdinha, Ângela, Zito, Nia Malta, Vladimir e Guilherme Palmeira, Uchoa, Bárbara, Lelé , Salete Toledo, Vadinho, Frazão, Teca, Vânia, Carmen, Bethânia, João, Ana Amélia, Suely, Martinha, prima que ti quiero prima. Todos unidos pelo cansaço e pela saudade da folia que havia terminado. O que nunca se acabou foi o carinho, a amizade de todos nós.
Certa hora alguém falou em tomar café e uma saideira na casa
de Dona Zeca. Levantamos, andando devagar feito o Exército de Brancaleone. Alguns descalços, outros sem camisa, namorados de mãos dadas, amigos abraçados. O dia estava claro, o mar e o céu passavam do alaranjado da madrugada para o azul-esverdeado, brilhante de uma luminosa manhã de quarta-feira de cinzas.
No lento andar, Vladimir iniciou cantando a marcha da quarta-feira de cinzas, e todos nós acompanhamos como se fosse uma premonição. Nem ale
gres, nem tristes, sabíamos que alguma coisa estava para acontecer, deu uma sensação de perda. Alguém chorou sem saber o por quê. De mãos dadas cantamos com o coração, perambulando pela Avenida: “Acabou nosso carnaval...Ninguém ouve cantar canções...Ninguém passa mais brincando feliz...E nos corações saudades e cinzas foi o que restou...E, no entanto, é preciso cantar, Mais que nunca é preciso cantar ...e alegrar a cidade...”
Aquele tinha sido o último dos nossos carnavais.

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